Pelo que me lembro, naquele dia saí de casa meio preocupado
comigo mesmo pela falta de controle que eu tinha em relação ao álcool, quando
eu começava a beber não sabia mais parar e nunca sabia no que ia dar, estava
comentando isso com um amigo meu dizendo que pior não podia ficar, mal sabia eu
que sempre pode ficar pior, estava claro já naquela época que eu tinha problema
com drogas, nesse mesmo dia em que conversava com meu amigo, passou por nós um
caminhão e nesse caminhão estava outro amigo que vinha com as tralhas de sua
barraca de bebidas que ele montava na vaquejada, e chamou-me para auxiliar-lhe
na descida das coisas do caminhão dizendo que pagava um litro de cachaça depois
do serviço. Apesar de estar no estado em que estava, que podia se dizer que era
de ressaca moral e já comentando que minha vida não estava muito boa por causa
do álcool, mesmo assim aceitei a proposta, coloquei a bicicleta em cima da
carroceria do caminhão e fui ajudar meu amigo a descer suas coisas, depois
fomos beber a cachaça.
Lembro-me muito bem que comecei a beber comportadamente, e
que ia tudo normal até a chegada à mesa de uma pessoa que eu não sabia e não
sei até hoje quem era, ele apostou comigo quem de nós bebia mais cachaça,
aceitei a aposta, quem ganhasse pagava um litro de cana para o outro, tudo
começou ai, depois que bebi todo o litro em questão de minutos, sai do ar,
ficou apenas o monstro do Daniel acordado, eram umas sete horas da noite pelo
que me lembro, havia muitas pessoas na rua ainda, mas sem se importar com isso
comecei a urinar na frente das pessoas no meio da rua, depois briguei com um
mau elemento que estava no bar, mas naquela hora o sujeito mais "mau
elemento" que tinha nas redondezas era eu mesmo, o meu amigo que me convidara
para beber com ele já não sabia o que fazer, pensaram em chamar a policia,
depois pensaram em me amarrar, jogar em cima de uma carroça e me levar para
casa nessas condições, por fim decidiram chamar meu pai. Não me lembro de nada
do que aconteceu, o que narro para vocês é o que me contaram depois de algum
tempo. Meu pai chegou, desceu do carro e vendo meu estado demoníaco foi logo me
dando uns murros, coisa que dificilmente ele faria se eu estivesse sóbrio. Segurei
meu pai pelas bitacas e nós dois caímos no chão, apartaram a briga, e depois
meu amigos e mais uns conhecidos ajudaram meu pai a me colocarem dentro do
carro e me levaram para o hospital, segundo me contam cheguei lá ainda falando,
mas não me lembro de nada.
No outro dia acordo no hospital totalmente ignorante do que
havia acontecido na noite anterior, lembro que meu pai chegou lá cinco horas da
manhã, a hora em que acordei, me ajudou a levantar, pois ainda me sentia bêbado,
e me levou até em casa, lá chegando ao entrar no meu quarto, vejo uma bolsa com
minhas roupas dentro, meu pai decidira que não era mais possível eu continuar
morando com ele no Brejo Santo naquelas condições, então no mesmo dia viajou
comigo para fortaleza, só deu tempo de pegar a bolsa e pegamos a estrada, no
caminho eu ia lhe perguntando o que havia acontecido, dizendo que estava com os
queixos doendo, ele não queria falar no assunto, disse apenas que era melhor eu
ir para fortaleza, pois no brejo a exposição era muito grande, eu estava de
acordo com ele, não podia prometer que aquilo não se repetiria novamente, pois
sabia que mais cedo ou mais tarde eu voltaria a beber e com certeza ia chegar o
dia em que a cena iria se repetir.
Realmente eu não sabia mais o que fazer, eu sofria muito
quando estava de cara, eu precisava estar bebendo constantemente para sentir um
pouco de alegria e nem sempre conseguia a alegria desejada, fumava maconha
todos os dias, fumava tanto que fumar já não dava tanto prazer como dava no
começo, eu era totalmente antissocial, não sabia mais conversar e tinha medo
das pessoas. Certa vez minha irmã me chamou para ir a um restaurante bastante
conhecido em fortaleza, e fazia tanto tempo que eu não frequentava um lugar tão
sofisticado que comecei a me sentir mal, eu estava acostumado a favelas e a
terrenos baldios na beira da lagoa, meus programas era virar a noite em uma
calçada tomando cachaça e fumando um baseado, e nesse dia todos na mesa estavam
conversando e eu não conseguia conversar com ninguém, acho que eu tinha uns
catorze anos ou dezesseis, não lembro ao certo, então um amigo da minha irmã
começou em tom de brincadeira a dizer que eu estava falando muito, tirando onda
com a minha cara, não consegui nem responder, minha irmã teve que responder por
mim dizendo “Ele é introspectivo...”, dei graças a Deus quando aquela tortura
acabou, para mim era tortura tudo o que remetesse a coisas saudáveis, não
conseguia sair com minha família, tinha perdido todo o contato com o mundo
chamado careta, e me afogava em desespero e auto-isolamento, eu era assim no
colégio, em lugares ditos sociais, como ônibus e shoppings, e em festas
familiares, não tinha mais namoradas, havia desaprendido a chegar junto das
meninas, de repente me via em uma gélida solidão que doía no peito, a depressão
tomava conta de mim e de tempos em tempos eu enlouquecia e fazia alguma
besteira, como brigas e vandalismo.