Estou faminto, há três dias que não como nada, hoje em dia fica cada vez mais difícil conseguir comida, as crianças choram, sentem a barriga roncar, sentem a barriga doer, estamos todos fracos, não saímos de nossas redes, a mulher prepara num fogareiro uma panela de chá de capim santo, é tudo o que nosso quintal produz. Os mercantis estão em quarentena cercados de soldados para evitar o saques, já faz tempo que não chega uma remessa de alimento de parte alguma, e nessa cidade de terra calcificada, não há como se plantar.
As crianças continuam a chorar, acho que uma está perto de morrer pois parou os gritos de fome e se recolhe resignada em sua rede com o buxo estufado de agua, não há o que fazer. Levanto-me já com certo desespero, mentalmente peço a Deus que nos arranje um pouco de comida, não aguentamos mais, falo em minha oração silenciosa.
De súbito vejo um anjo de luz descer em meio a nossa sala, e ele diz: Suas suplicas foram atendidas, aqui está uma cesta mandada diretamente de Deus para você e sua família.
Não consigo me conter de alegria e desejo por aquela cesta, era uma cesta grande cheia de comida, arroz cozido, peixe frito, feijão também cozido, carne assada, e grito levanta pessoal que hoje agente come que nem gente. O anjo de luz deixou a cesta e saiu voando para o céu, fui levantar os meninos, mas estavam todos calados e dormindo, olho para a mulher e digo:
- Acorda os menino pra comer, o anjo deixou comida aqui pra todo mundo.
Mas a mulher não me dá atenção, eu já com raiva vou até ela e quando a puxo pelos ombros ela começa a se despedaçar como se fosse feita de cera, tomo um susto e me vem uma vontade de gritar, mas me seguro, quando me volto para a cesta eu via só um bocado de porcaria cheia de barata em cima, toda aquela comida estava podre.
Desperto do pesadelo suado e chorando com os gritos da mulher dizendo que o menino tinha morrido de fome, de fome ela dizia: de fome o menino morreu de fome...de fome o menino morreu de fome...