Eu sei que o dia está lindo, eu sei que o sol nasceu, mas
acredito que vou ter que contemplar tudo isso de dentro de uma cela, tudo que
passa pela minha vida no dia de hoje, passa por janelas abertas para um mundo
que eu não sei o que fazer com ele. Tudo aqui dentro desta cela está morto, e
eu tenho que brincar sozinho durante todo o dia, não quero mais brincar
sozinho, quero brincar com meus amigos, quero sair do castigo, mas estou nesse castigo
há não sei quanto tempo. Por que falar de pássaros negros sobre o meu
parapeito? Eles me observam, me vigiam, até que o tédio chegue e o desespero
tente reinar sobre minha alma, mas não quero isso, por isso fico resignado com
a minha prisão. Não quero ter pena de mim mesmo, sei o quanto posso suportar,
sei também que não é muito, mas ainda sou um bom burro de carga, aguento muita
coisa com as ferramentas certas, e assim vou vivendo ignorando os dias não
vividos e gozando de meus maiores prazeres que consistem em uma xícara de café
com leite, um maço de cigarros, um bom livro, um computador para fingir que sou
escritor, muita música tocando direto, um pouco de pornografia durante a noite,
e o principal, a companhia das minhas tias e da minha avó, minhas melhores
amigas. É, olhando por esse prisma minha vida não é tão dura, tenho quase tudo
o que quero, tenho até mais do que preciso, e o melhor de tudo, estou limpo.
Não preciso mais usar drogas, posso fazer outras coisas no lugar disso.
Às vezes tudo o que eu queria dizer, eu consigo dizer em uma
página, às vezes simplesmente eu não consigo dizer nada, e me calo. Minha pena
para, meu teclado adormece, e fico estático olhando para o branco em minha
frente, branco esse que pede para ser preenchido por palavras das mais
diversas, das mais inverossímeis, é o papel, é a imagem do papel que está na
minha frente, e nele tento imprimir aquilo que está em mim, seja isso bonito ou
feio. O papel não julga o que está sendo escrito, ele está pronto para receber
dos pensamentos mais elevados aos mais rasteiros e simples, ele está pronto
para receber os erros de ortografia, os erros de concordância, as ideias
erradas e as ideias certas, tudo isso cabe na folha de papel, o branco recebe
tudo no preto, e por fim conseguimos colocar significado e ordem no que está sendo
escrito. Não tenho uma história para contar, talvez não saiba contar essa
história que ainda não existe, não sei nem do que se trata, não sei o tema, a
minha vida não pode ser o tema, eu sei muito de mim mesmo para escrever um livro,
na certa ele se tornaria um livro agourento, um livro de pesadelos, mas também
de sonhos dos mais sublimes, como não poderia ser, não é assim a vida de todo
mundo? Cheia de sonhos e pesadelos, cheia de começos e fins, cheia de amor e de
vazios inexplicáveis. Continuo vivendo, continuo escrevendo, às vezes apenas
continuo qualquer coisa, às vezes paro e não saio do lugar, mas não tenho culpa
disso, tudo depende da gravidade da minha melancolia, tudo depende da gravidade
da terra, tudo depende da gravidade da lua, estou intimamente ligado às forças
da natureza, sou controlado por elas. Eu queria escrever um livro, um livro de
algo interessante, talvez um romance, ou quem sabe um livro de filosofia. Eu
não quero ser médico, não quero ser astronauta, não quero ser doutor em nada,
não quero compor músicas, não quero ser cantor, não quero ser ator, não quero
ser aviador, não quero ser motorista, eu só quero ser um escritor, quero ter o
que escrever, quero saber escrever, quero ter paciência para escrever, quero
que leiam o que escrevo, quero que gostem do que escrevo; não quero ter
trabalho, quero ter talento, quero ter conhecimento, quero gostar do que eu
faço, quero fazer o que eu gosto, quero andar nesses trilhos, talvez eles deem em
algum lugar, não digam para ter cuidado com o trem, dele eu sei me livrar,
quero ter coragem, é mais ou menos isso o que eu quero.