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sábado, 21 de julho de 2012

SERENIDADE




Eu sei que o dia está lindo, eu sei que o sol nasceu, mas acredito que vou ter que contemplar tudo isso de dentro de uma cela, tudo que passa pela minha vida no dia de hoje, passa por janelas abertas para um mundo que eu não sei o que fazer com ele. Tudo aqui dentro desta cela está morto, e eu tenho que brincar sozinho durante todo o dia, não quero mais brincar sozinho, quero brincar com meus amigos, quero sair do castigo, mas estou nesse castigo há não sei quanto tempo. Por que falar de pássaros negros sobre o meu parapeito? Eles me observam, me vigiam, até que o tédio chegue e o desespero tente reinar sobre minha alma, mas não quero isso, por isso fico resignado com a minha prisão. Não quero ter pena de mim mesmo, sei o quanto posso suportar, sei também que não é muito, mas ainda sou um bom burro de carga, aguento muita coisa com as ferramentas certas, e assim vou vivendo ignorando os dias não vividos e gozando de meus maiores prazeres que consistem em uma xícara de café com leite, um maço de cigarros, um bom livro, um computador para fingir que sou escritor, muita música tocando direto, um pouco de pornografia durante a noite, e o principal, a companhia das minhas tias e da minha avó, minhas melhores amigas. É, olhando por esse prisma minha vida não é tão dura, tenho quase tudo o que quero, tenho até mais do que preciso, e o melhor de tudo, estou limpo. Não preciso mais usar drogas, posso fazer outras coisas no lugar disso.
Às vezes tudo o que eu queria dizer, eu consigo dizer em uma página, às vezes simplesmente eu não consigo dizer nada, e me calo. Minha pena para, meu teclado adormece, e fico estático olhando para o branco em minha frente, branco esse que pede para ser preenchido por palavras das mais diversas, das mais inverossímeis, é o papel, é a imagem do papel que está na minha frente, e nele tento imprimir aquilo que está em mim, seja isso bonito ou feio. O papel não julga o que está sendo escrito, ele está pronto para receber dos pensamentos mais elevados aos mais rasteiros e simples, ele está pronto para receber os erros de ortografia, os erros de concordância, as ideias erradas e as ideias certas, tudo isso cabe na folha de papel, o branco recebe tudo no preto, e por fim conseguimos colocar significado e ordem no que está sendo escrito. Não tenho uma história para contar, talvez não saiba contar essa história que ainda não existe, não sei nem do que se trata, não sei o tema, a minha vida não pode ser o tema, eu sei muito de mim mesmo para escrever um livro, na certa ele se tornaria um livro agourento, um livro de pesadelos, mas também de sonhos dos mais sublimes, como não poderia ser, não é assim a vida de todo mundo? Cheia de sonhos e pesadelos, cheia de começos e fins, cheia de amor e de vazios inexplicáveis. Continuo vivendo, continuo escrevendo, às vezes apenas continuo qualquer coisa, às vezes paro e não saio do lugar, mas não tenho culpa disso, tudo depende da gravidade da minha melancolia, tudo depende da gravidade da terra, tudo depende da gravidade da lua, estou intimamente ligado às forças da natureza, sou controlado por elas. Eu queria escrever um livro, um livro de algo interessante, talvez um romance, ou quem sabe um livro de filosofia. Eu não quero ser médico, não quero ser astronauta, não quero ser doutor em nada, não quero compor músicas, não quero ser cantor, não quero ser ator, não quero ser aviador, não quero ser motorista, eu só quero ser um escritor, quero ter o que escrever, quero saber escrever, quero ter paciência para escrever, quero que leiam o que escrevo, quero que gostem do que escrevo; não quero ter trabalho, quero ter talento, quero ter conhecimento, quero gostar do que eu faço, quero fazer o que eu gosto, quero andar nesses trilhos, talvez eles deem em algum lugar, não digam para ter cuidado com o trem, dele eu sei me livrar, quero ter coragem, é mais ou menos isso o que eu quero. 

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